quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os humanistas na PMESP devem falar a linguagem dos modernos Gestores Estratégicos






Os humanistas na PMESP devem falar a linguagem dos modernos Gestores Estratégicos [1]


O conceito Corporate University será em breve aplicado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP acompanhando a tendência corporativa internacional de adotar boas práticas acadêmicas revolucionando seus setores de treinamento de pessoal. através do ensino continuado e ensino à distância focando não apenas a formação de seu efetivo (habilidades profissionais) para uma específica matriz de competências, mas também a pesquisa de novas soluções para os problemas de Segurança Pública (novos conhecimentos profissionais) que signifiquem um diferencial competitivo para a Instituição e a tornem referência na oferta de serviços de Segurança Pública. São estes os parâmetros e linguagem que os Gestores Estratégicos esperam de quem defenda uma Universidade de Polícia com feições humanísticas.




No artigo anterior “Por uma Universidade de Polícia com feições humanísticas”, postado neste Blog em 16Set12, fizemos a defesa das humanidades como área de conhecimento com a qual a futura universidade corporativa da PMESP deve estar visceralmente vinculada desde seu nascedouro. E esta defesa, depois de mostrar rapidamente algumas vantagens pontuais desta disciplina, desdobrou argumentos que fazem apelo ao valor das disciplinas humanas na formação do policial militar como ser humano. E aquele artigo insistiu que o conhecimento das humanidades (língua portuguesa, história e literatura voltadas para a percepção crítica em si e nos outros dos dramas sociais/políticos e individuais/éticos) não deve ser apenas exigido na prova de ingresso na Instituição, mas seu ensino deve ser aprofundado continuamente nas fileiras da Instituição, fundamentalmente porque o homem não nasce homem ele se torna.

Tudo muito humano, mas que pode soar como uma cantilena para ouvintes apressados em obter definição sintética de métodos, indicadores, números e resultados para a Segurança Pública. Sobretudo porque – dizem acertadamente – não há nada mais humanitário que proteger com eficácia a vida e a integridade física de 43 milhões de habitantes do Estado de São Paulo!

E têm razão os Gestores Estratégicos da PMESP. O que há em comum entre o trabalho da polícia preventiva e ostensiva composta pelos militares estaduais, absorvidos inteiramente pelas emergências do telefone 190, preocupados com a segurança, rapidez e legalidade de cada providência, empenhados em obter o melhor da tecnologia para seu trabalho arriscado, e as acadêmicas ciências humanas e suas empoeiradas frases greco-latinas?

 No entanto, os fatos se precipitam na área de ensino: Lei Complementar Estadual nº 1036 de 11Jan08, Lei de Ensino da Instituição, sua regulamentação pelo Decreto Estadual nº 54.911 de 14Out09 e edição da D-5-PM – Diretriz Geral de Ensino em 22Abr10, que determina a redação dos Regimentos Internos dos recém-promovidos órgãos de ensino superior da PMESP, criação em 22Ago12 pelo Bol G PM 159  do Grupo de Trabalho para o desenho de uma Fundação de Apoio ao Ensino e Cultura etc.

No alto da pirâmide do Ensino PM está o Centro de Altos Estudos de Segurança – CAES "Cel PM Nelson Freire Terra" que passa a oferecer o curso de Mestrado e Doutorado em Ciências Policias de Segurança reconhecidos pelo Estado de São Paulo, e já se organiza para obter a médio prazo a recomendação do seu programa de pós-graduação strictu sensu pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, o órgão federal responsável pela avaliação da pós-graduação no Brasil.

Estes avanços na legislação de ensino somados às múltiplas iniciativas individuais de Oficiais com experiência acadêmica e à adoção da doutrina da Gestão pela Qualidade desde 1997 são responsáveis pela crescente incorporação na área de ensino da PMESP de boas práticas do meio universitário. Agora a nova doutrina da Gestão Estratégica, em busca de maior eficácia para a área de ensino e com foco em resultados quantificáveis, quer acelerar a adoção destas práticas acadêmicas e cogita a iminente fundação da Universidade de Polícia.

Então, em 2012, temos diante de nossos olhos, um quadro em que a gestão estratégica compreende as vantagens operacionais de eficiência e eficácia da criação de uma Universidade de Polícia e torna-se urgente a necessidade de explicar para os Gestores Estratégicos: Por que esta nascente universidade deveria ter feições humanísticas? Por que é tão importante que a marca, a ideia, o conceito de uma Universidade de Polícia deva nascer já com um aspecto humanístico?  Por que deve esta ser o baluarte da eficiência, mas também da difusão de uma cultura de Direitos Humanos? E por que esta universidade deveria ser o carro chefe de um movimento de humanização do serviço policial-militar? O que é humanização, afinal? Não é o mesmo que valorização profissional?

É preciso que os humanistas da PMESP expliquem todas estas questões para gestores estratégicos que entendem da área da administração moderna, são pessoas profundamente éticas, querem os resultados bons para todos, mas não são da área das humanidades e talvez vejam nestas disciplinas uma perfumaria, algo que não afeta o real. Assim, é urgente criar uma ponte entre estas duas áreas de conhecimento. Isto quer dizer, resumidamente, que estamos diante de um impasse comunicativo.

Acontece que é preciso lembrar e assumir que a responsabilidade pela comunicação é do comunicador que toma a iniciativa de comunicar e que não é razoável culpar o ouvinte pela não compreensão da mensagem se o interesse em ser compreendido é de quem comunica. Assim se os humanistas têm o interesse em colaborar com suas ideias sendo bem compreendidos, então são os humanistas que devem ser capazes de se fazerem entender.

Bem, abrindo sua caixa de ferramentas, os humanistas precisam propor antes de tudo que esta nova Instituição de Ensino – a Universidade de Polícia – que venha a catapultar para novíssima fase todas as escolas policiais-militares, deve possuir, já na sua criação, um perfil humanístico, porque este perfil definirá a longo prazo, a face de toda a Instituição polícial-militar.

Do contrário, é preciso dizer, a Universidade de Polícia será apenas um aparelho administrativo mais eficaz, mais econômico e mais rápido na meta de capacitar seus profissionais para a oferta de serviços-padrão de segurança pública, preconizados pela Gestão Estratégica movida por resultados a curto prazo, e que, no entanto, não terão lastro, serão inconstantes, sofrerão crises porque não estarão fundados em bases duradouras. Sobretudo porque esta gestão por resultados mensuráveis confia – sem confessar ou saber – unicamente nas leis de mercado dizendo para si mesma: ensino bem e mais, gastando menos tempo e dinheiro e se o profissional não aplicar o que aprendeu, eu simplesmente o troco por outro no mercado de trabalho. Esta não é uma relação de confiança, é uma relação de poder.

Devemos evitar este admirável mundo novo em que o progresso técnico, ao invés de servir ao homem, o oprime, o instrumentaliza e o torna descartável, colocando-o em posição adversa à administração, em atitude defensiva e rancorosa na sua impotência ocasional em abrir mão de seu emprego público que é o real motivo da irrupção de crises institucionais cuja culpa é sempre direcionada com habilidade para o administrado pelo não cumprimento de um procedimento padrão e não para administração que deveria ser capaz de persuadí-lo a seguir este padrão em uma relação de confiança.

Naturalmente, auspiciamos uma Universidade de Polícia que seja eficaz, econômica e ágil, mas que também seja capaz de superar e substituir em um órgão policial a subcultura de violência e a cultura de competição e relações baseadas no poder – ainda comuns, apesar dos progressos, em toda a sociedade brasileira – por relações baseadas na convicção na igualdade de todos diante das leis, na vantagem, para cada um de nós, da solidariedade e da prioridade para o bem comum.

Para tão importantes objetivos práticos cabe à vanguarda humanista, entre as fileiras dos militares estaduais de São Paulo, abrir mão de seus discursos puramente éticos que, de argumento em argumento, se elevam aos altíssimos e sublimes – mas incompreensíveis – pícaros nevados do valor ético que deve ser buscado, enfim, por ser valor ético.

Este argumento platônico, sempre focado em um ideal de humanidade realizável em cada um de nós, e apresentado como a melhor retribuição pessoal e assim a melhor garantia para o comportamento ético individual,  é demais abstrato, ofuscante e frustrante em tempos de gestão por resultados e seu credo: só administra quem dispõe de indicadores mensuráveis.

Cabe a esta vanguarda então não ser inocente, respeitar os tempos que urgem por conhecer e controlar os meios que produzem resultados visíveis, e encontrar os pensamentos e palavras satisfatórias para explicar, claramente e em detalhes, para os homens e mulheres policiais-militares, extremamente pragmáticos e acostumados a atenderem pessoas em perigo, o que significa agregar um caráter humanístico à eficácia, economia e rapidez do ensino profissional e, enfim, o que é mais difícil, explicar tecnicamente para administradores como (isto é, com que meios) as humanidades podem agregar à eficácia, economia e rapidez do ensino moderno um lastro, uma constância, uma garantia duradoura contra crises para seu padrão de serviços de referência (isto é, atingir a meta da Instituição).

Desde que a maioria dos discursos humanísticos caem neste fácil circulo vicioso, nesta tautologia, de mostrar o valor dos valores humanísticos, o desafio que se apresenta para aqueles que defendem a fundação de uma Universidade de Polícia com feições humanísticas é, portanto, de indicar para a administração contemporânea a funcionalidade das humanidades, ou seja, a sua utilidade. Ou ainda, para que serve.

Isto retomaremos em um próximo artigo.




Obrigado pela leitura. Se reproduzir total ou parcialmente este texto, peço apenas que cite a fonte.





[1]  O autor é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP (2010) depois de ter estudado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na França 2008/2009.. Atualmente é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br. 

domingo, 16 de setembro de 2012

Por uma Universidade de Polícia com feições humanísticas


Por uma Universidade de Polícia com feições  humanísticas[1]
                           
A adoção do conceito Corporate University pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP é iminente. No entanto, a Universidade de Polícia não deve almejar ser apenas uma fábrica melhorada de policiais tecnicamente perfeitos: ela pode e deve possuir uma feição humanística para que a Instituição continue a humanizar suas relações internas e os serviços que oferece. Com sua Universidade, a PMESP terá em breve a oportunidade de trazer para seus alunos mais conteúdos das humanidades – e continuamente –  pois, afinal, o homem não nasce homem, ele se torna homem. 

O que há em comum entre o trabalho da polícia preventiva e ostensiva composta pelos militares estaduais, absorvidos inteiramente pelas emergências do telefone 190, preocupados com a segurança, rapidez e legalidade de cada providência, empenhados em obter o melhor da tecnologia para seu trabalho arriscado, e as acadêmicas ciências humanas e suas empoeiradas frases latinas?
Para quem está surpreso, lembramos que esta pergunta se impõe em um acelerado quadro de mudanças na área de ensino da Instituição: Lei Complementar Estadual nº 1036 de 11Jan08, Lei de Ensino da Instituição, sua regulamentação pelo Decreto Estadual nº 54.911 de 14Out09 e edição da D-5-PM – Diretriz Geral de Ensino em 22Abr10, que determina a redação dos Regimentos Internos dos recém-promovidos órgãos de ensino superior da Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP.
No epicentro destas mudanças está o Centro de Altos Estudos de Segurança – CAES "Cel PM Nelson Freire Terra" que passa a oferecer o curso de Mestrado e Doutorado em Ciências Policias de Segurança com vocação – adiável, mas incontornável – para buscar, depois do já conquistado reconhecimento de seus cursos superiores e de pós-graduação pelo Estado de São Paulo, sua consagradora recomendação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, o órgão federal responsável pela avaliação da pós-graduação no Brasil e pela promoção da cooperação científica internacional.
Trata-se de uma movimentação sem precedentes nos 180 anos da polícia fardada de São Paulo, desde a vinda das duas Missões Estrangeiras da França para profissionalizar a Força Pública. No entanto, nas últimas décadas a situação do ensino militar espelhava, de resto, a realidade de toda a sociedade brasileira: ano após ano, este ensino permanecia preso ao modelo tradicional restrito à transmissão de conhecimentos estabelecidos. Como estes conhecimentos eram pouco alterados, à exceção de algumas disciplinas propriamente policiais introduzidas nos anos 80, sua transmissão aproximava-se perigosamente de uma repetição burocrática quebrada apenas pela disputa entre alunos pelas melhores notas como em um jogo em que o conteúdo importa menos.
Este modelo fora consagrado em 02Jul69 pelo Decreto-Lei Federal 667 que organizou as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados como órgãos militares auxiliares e controlados pelas Forças Armadas e os estruturou em órgãos de Direção, Execução e Apoio. Estrutura que foi preenchida pelo Decreto Estadual 7.290 de 15Dez75 que estabeleceu que a Academia de Policia Militar (APM), a Escola de Educação Física (EEF), O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) e suas unidades subordinadas, a Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Graduados (EsFAG), Escola de Especialização de Praças (EsEP) e Núcleos de Formação de Soldados (NFSd), eram todos órgãos de Apoio de Ensino.
Ao designar os órgãos de ensino como órgãos de apoio segregando-os dos órgãos de direção e dos órgãos de execução, este decreto repetia e reforçava uma noção arquetípica do ensino como preparação para a vida (então o estudo é anterior ou está fora da vida real), como transmissão de conhecimento acumulado pelas gerações anteriores (então o conhecimento tradicional é suficiente), estudo e exercícios de alunos supervisionados por professores em uma relação vertical (então o ensino e aprendizado é fundado na autoridade pessoal ou na superioridade hierárquica do professor) e ignorava completamente a possibilidade de um órgão militar pesquisar e desenvolver horizontalmente conhecimentos com rigor científico e acadêmico na área de segurança pública. 
Esta maneira antiga de pensar o ensino é bem traduzida nos quartéis pelo sentido literal e plástico do conceito de formação: recebe-se um candidato aprovado em concurso e este sai das escolas militares formado, ou seja, moldado, e pronto para o serviço (então aparência importa mais que a essência). Aqui também está implícita a imagem bélica ou industrial de uma linha de produção que joga sempre novos recrutas da retaguarda para a linha de frente, a real vanguarda onde as coisas acontecem, onde os problemas são resolvidos.
Mas desde as primeiras discussões em 2007, na então Diretoria de Ensino, sobre o que veio a ser a Lei de Ensino, a Polícia Militar toma iniciativas que têm sido acolhidas integralmente pelo Executivo e pelo Legislativo paulista que enfim misturam o ensino à pesquisa e esta diretamente ao teste das ruas (então órgãos de ensino e execução estão todos na vanguarda e ensinar, aprender e pesquisar é estar na linha de frente. Um Aluno-Soldado ou Aluno-Oficial podem escrever um Trabalho de Conclusão de Curso – TCC inovador), que horizontaliza a relação professor-aluno colocando foco na produção de soluções de segurança pública (então a autoridade é do melhor argumento, não da pessoa) e que transformam a Instituição, que era objeto de pesquisa de terceiros, em órgão protagonista que produz pesquisas sobre si mesmo e sobre os problemas de manutenção da ordem e segurança pública brasileira incorporando crescentemente boas práticas acadêmicas e coloca na ordem do dia sua responsabilidade em fazer avançar com urgência os conhecimentos que nomeia agora como Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.
Ocorre que as leis e normas de ensino são recentes demais para que seus efeitos sejam sentidos. Diríamos mesmo que é moderna demais para ser completamente compreendida pela maioria formada nos moldes antigos, e ainda causa enorme estranheza entre nossas fileiras o estudo das ciências humanas, as humanidades (apesar da Lei de Ensino tratar de “conhecimentos humanísticos” e prever “pesquisas humanísticas”), que têm a fama de ser pura elucubração de idéias sem interesse para a instituição policial.
No entanto, a despeito dos textos das humanidades estarem aparentemente distantes da realidade operacional do policiamento, é preciso ter olhos para o fato de que as decisões que moldam esta realidade prática são idéias assumidas como verdades, conscientes ou não, ou resultantes de discussões conceituais, igualmente fundadas em ideias.  
A PMESP tem forte tradição de estudos jurídicos – denunciados hoje como resultado de uma cultura bacharelista – que começam a ceder espaço para um articulado pensamento administrativo de Gestão Estratégica visando resultados suportados por alta tecnologia de informação. Mas a este sopro renovador, estudiosos das humanidades – que não exercem poder algum de bacharel, afinal não dirigem escritórios de interesses e apenas lecionam – poderiam agregar aprofundamento teórico fazendo as questões técnicas de segurança pública se enraizarem em arcabouço conceitual concebido por autores de maior e mais antiga autoridade, nomes conhecidos e respeitados pela sociedade, imprensa e meio intelectual; os estudos das humanidades atualizariam conceitualmente textos fundamentais da comunicação interna e com a sociedade; sincronizariam os termos e parâmetros de importantes debates no meio policial-militar com os mesmos termos e parâmetros do meio acadêmico; revitalizariam com novos materiais conhecidas questões éticas e dariam visibilidade a outras menos discutidas; modernizariam e refinariam a linguagem com que se trata de problemas humanos que estão por toda parte em um órgão policial que presta serviços essenciais a seres humanos empregando basicamente recursos humanos.
Mas, sobretudo, os conteúdos oferecidos pelas humanidades tornam mais preciso e penetrante o pensamento sobre nossas condições humanas de trabalho policial e da nossa relação com o atual cidadão-cliente e assim poderiam colaborar extraordinariamente para a valorização do policial militar e sua profissão. Isto porque, resumidamente, as humanidades são o manancial dos argumentos e discursos mais fortes e persuasivos da tradição de debates sobre assuntos e problemas humanos.
Os atuais concursos terceirizados para ingresso na PMESP já não exigem conhecimentos de física, química e outros semelhantes e valorizam a filosofia, história, sociologia e outras disciplinas das humanidades, então é o momento de despertar para os novos tempos que se configuram para vencer entre nós o preconceito contra as ciências humanas como área que não interessam ao trabalho policial, pois isto é um velho engano: os grandes investimentos em armas, viaturas, comunicação e processamento de informações têm um limite na sua capacidade de melhorar a qualidade do serviço policial.
Até mesmo a mais eficiente formação e treinamento profissional não garante que a técnica adquirida seja usada em prol da sociedade. Alguém duvida que um método de tiro, de defesa pessoal ou mesmo um Procedimento Operacional Padrão – POP possa ser usado contra os próprios policiais? Que recursos tecnológicos possam ser desvirtuados dos seus fins? Esta séria consideração dá relevo à urgente necessidade de que nossas escolas policiais ofereçam então, além das matérias profissionais, uma formação humanística.
Não basta que a PMESP como empregadora inclua no mercado de trabalho um candidato aprovado; ofereça-lhe um papel na sociedade; um know-how para a solução de problemas técnico-operacionais; integre-o a uma rede de proteção social; envolva-o com direitos e deveres de um segundo aparato jurídico, a justiça militar, mas não faça esforços para incluí-lo, integrá-lo, torná-lo mais partícipe da humanidade. É preciso lembrar que o homem não nasce pronto como os animais, o homem torna-se homem e não basta para a PMESP a formação humanística trazida de casa e da escola e reforçada pela religião; este aprendizado nas humanidades deve ser contínuo e então deve continuar dentro da PMESP.
Não são suficientes equipamentos, conhecimentos técnicos e controles punitivos: é o esforço contínuo do ensino (então entendido como educação) que permitirá que o policial militar veja melhor a si mesmo e aos outros como seres humanos e que poderá garantir mais que este atue com humanidade.


Obrigado pela leitura. Se reproduzir total ou parcialmente este texto, peço apenas que cite a fonte.



[1] O autor é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP (2010) depois de ter estudado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na França 2008/2009.. Atualmente é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Uma nova abordagem sobre o aumento da criminalidade nas pequenas e médias cidades do Estado


Uma nova abordagem sobre o aumento da criminalidade
nas pequenas e médias cidades do Estado.[1]


Quero honrar meus estudos de filosofia e apresentar aqui um rápido comentário sobre o assunto que normalmente recai em questões econômicas de difícil e lenta solução. De fato, ao discutir-se academicamente o aumento da criminalidade nas pequenas e médias cidades do Estado,  transfere-se problema do crime muito rapidamente para problemas na economia, mas há uma outra compreensão sobre o tema que enseja outras ações possíveis. Espero que esta nova abordagem interesse porque diz respeito à maior parte das cidades.
É comum ouvirmos que antigamente havia menos crime e que então algo está errado com o funcionamento do Estado.  Mas não podemos ser inocentes: em uma pequena comunidade em que todos se conhecem pelo nome e todos se encontram diariamente em uma mesma padaria, escola, igreja etc. há um controle espontâneo de todos sobre todos: todos evitam comportamentos que  podem prejudicar  sua própria imagem e seu nome. Nestes ambientes a Policia Militar sabe que precisa de menos policiais para que os costumes e as leis sejam obedecidos.
 No entanto, à medida que as cidades crescem, as pessoas começam a andar por bairros distantes onde não são mais conhecidas, não são cumprimentadas, não são chamadas pelo nome e reconhecidas ou seja, diminuem os controles sociais e surge o sentimento de estar sozinho na multidão, de passar desapercebido, de não ser notado.
Por isto, alguns estrangeiros e turistas brasileiros se comportam mal longe de seus países. Por isto em um grande centro as pessoas se sentem à vontade para se vestir e agir de maneira mais extravagante. Elas podem ser mais criativas e divertidas, mas também podem se permitir comportamentos anti-sociais que derivam para o crime já que sua imagem não pode ser prejudicada diante de amigos e família, pois agem entre desconhecidos.
 Nestes ambientes a Policia Militar sabe que precisa de uma relação maior de policiais militares por grupo de 1000 habitantes. Vejam, na medida em que o anonimato aumenta, diminui o controle social de todos sobre todos e é preciso mais controles do Estado, vigilância da polícia, da prefeitura, não porque as pessoas são hoje pior que ontem, e os bons costumes foram esquecidos. Não, os valores existem, mas as condições urbanas mudaram.
E o que acontece em nossa Cidade? Vamos olhar do lado. Conhecemos todos a nossa volta? E dez metros adiante? Pois é, nossa cidade já cresceu, está crescendo, vai crescer muito mais e as pessoas vão se reconhecendo cada vez menos nas ruas e outros lugares comuns incluindo novos shoppings e mesmo na velha padaria. E isto acontece no mundo todo: observem as últimas estimativas da ONU: em 2007 metade da população do planeta vivia ainda no campo. Em 2030, três quartos da população habitarão cidades. Com a multiplicação de metrópoles, a época em que todos eram controlados e controlavam o comportamento de todos está acabando no mundo inteiro.
Isto é bom ou é mau? Não sabemos, mas em termos amplos, o que assistimos é um efeito da urbanização global que em si não é má, pois as pessoas saem do campo e vêm morar na cidade principalmente porque sabem que nas cidades há mais conforto e oportunidades.
Mas a boa pergunta é o que podemos fazer para convivermos bem em comunidade mesmo em cidades que crescem rápido? Ora, há muitas respostas, mas as melhores que ouço são aquelas que dizem que devemos diminuir o anonimato e voltarmos a ser reconhecidos por toda parte, porque quando somos reconhecidos cuidamos nós mesmos de nossa imagem e nos comportamos. Como então, seria possível diminuir o anonimato em cidades que não param de crescer?
Duas respostas estão se delineando:  uma é recorrer á tecnologia.
A Policia Militar está caminhando nesta direção com os Tablets que aceleram a consulta de placas e documentos de pessoas. Estes computadores de bordo inclusive disponibilizarão uma função que vincula suspeitos que foram identificados ao lugar em que foram abordados por policiais. Outro exemplo são as câmeras OCR que lêm placas de veículos, que estão sendo alugadas pela prefeitura de Mogi e serão instaladas nas 5 entradas e saídas da cidade informando a Guarda Civil e a Policia Militar sobre que carros entram e saem da cidade e quando. Isto acabará com o perigoso anonimato dos carros usados para crimes.
 Em futuro próximo, todas nossas avenidas terão estas câmeras e poderemos deixar chaves no contato dos carros estacionados, pois, se furtados, serão acompanhados por câmeras. Em seguida custarão menos as tecnologias de reconhecimento facial agregadas às técnicas de biometria e as pessoas é que serão acompanhadas e reconhecidas por máquinas.
Mas outra maneira de não permitir o perigoso e crescente anonimato não depende só do Estado, Prefeitura ou da Polícia Militar e suas câmeras inteligentes, ela é uma solução política construída por todos à medida que a ruptura dos velhos relacionamentos da pequena comunidade são compensados com a criação de outros novos.
 O que quero dizer? É preciso multiplicar as associações voluntárias e oportunidades de participação em clubes, comitês, grupos, associação de amigos para fins de lazer, conversa, bem estar, apoio, benemerência, esporte, religião, mutua ajuda, cultura, folclore e outros tão agradáveis e animados. É preciso estimular que as pessoas se encontrem e saibam o nome dos vizinhos e conheçam suas afinidades. Temos que criar novas oportunidades para que as pessoas se conheçam frequentando vários ambientes diferentes.
Estas iniciativas são necessárias para permitir que as pessoas tenham uma imagem social para zelar. Porque, quem é relegado e deixado por si mesmo em suas condições de origem, no anonimato e não é incluído em creches, escolas, empregos, não é convidado para clubes, associações e não é acompanhado por serviços público e ONGs, estas pessoas sozinhas se reúnem a outros solitários contra toda a sociedade, formam quadrilha e se tornam criminosos.
Assim, não vale querermos coisas contrárias: morar em cidades confortáveis que tenham de tudo – mas que propiciam o anonimato perigoso – e não tomar iniciativas sociais,  não prestigiar reunião nenhuma, não reunir e convidar os outros, não fazer nada, isolar-se e deixar os outros isolados, tristes com a perda da vida provinciana em que todos se conheciam e não havia crimes.

 As cidade recebem cada vez mais irmãos brasileiros e é preciso sermos coerentes e criarmos mais ocasiões em que as pessoas sejam agregadas, recebidas, acolhidas, convidadas, conhecidas, chamadas pelo nome e tenham um papel social na comunidade.
Por isto, todos que fundam uma associação de amigos com encontros regulares com finalidade as mais localizadas, por exemplo, andar de bicicleta juntos, fazer festas de bairro, prestar apoio à minorias vulneráveis etc. fazem o que gostam, fazem com prazer e, sem saber, fazem um grande serviço para Segurança Pública. Estão tornando mais contínuo e denso o tecido social criando laços e compromissos entre as pessoas que passam a se conhecer e chancelam, confirmam, uma a imagem social da outra.  Isto podemos chamar de Paz.
E na medida em que as pessoas se controlarem a si mesmas e umas às outras, zelando pela sua própria imagem, sua Policia Militar poderá se dedicar mais à sua verdadeira vocação: proteger as pessoas sem a necessidade de armas.


Obrigado pela leitura. Se reproduzir total ou parcialmente este texto, peço apenas que cite a fonte.



[1] Lúcio Nassaro é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP. Foi bolsista da CAPES na França e é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br.

Boas-vindas aos interessados em segurança pública !

Caros amigos, depois de concluídos os estudos acadêmicos na área de filosofia e agora próximo do encerramento do Curso Superior de Polícia, como Tenente-Coronel PM, chegou a boa hora de tratar publicamente de alguns temas de interesse da segurança pública.

O título do blog "Universidade de Polícia" é o nome da nossa bandeira: a aplicação na Polícia Militar do Estado de São Paulo do conceito corporate universty, como fazem as grandes corporações internacionais, mas com feições humanísticas.

Sob esta bandeira encontram-se inúmeras novas abordagens de problemas cujas soluções precisam ser buscadas coletivamente para que se estabeleça a paz social. Preparem-se para novidades.

Agradeço a visita dos leitores. Ao prestigiarem este blog favorecem em alguma medida o acúmulo de reflexões em língua portuguesa sobre os meios de diminuirmos  a violência e colaboram para a concentração de uma massa crítica imprescindível para o progresso das leis, das instituições policiais e das condições de trabalho dos homens e mulheres policiais.