quinta-feira, 17 de outubro de 2013



Por uma Universidade de Polícia humanista e humanizadora.



O conceito Corporate University será em breve aplicado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP acompanhando a tendência corporativa internacional de adotar paulatina e sistematicamente boas práticas acadêmicas revolucionando seus setores de treinamento de pessoal. Trata-se, sobretudo, do ensino continuado e do ensino à distância com foco não apenas na formação de seu efetivo (habilidades profissionais) para uma específica matriz de competências, mas também para a pesquisa de novas soluções para os problemas de Segurança Pública (novos conhecimentos profissionais).

Aqui há uma novidade: por novos conhecimentos profissionais entende-se crescentemente conteúdos das ciências humanas – ou humanidades –  que sempre foram vistas como acessórias no ensino militar e que agora passam a ser vistas como insubstituíveis em um determinado efeito que só estas produzem. Em efeito, poucos sabem, mas descobre-se lentamente que na história da educação no Ocidente, sob o nome de retórica, as humanidades sempre foram estudadas pelas elites econômicas, não por luxo, mas porque, possuem uma eficaz funcionalidade na conquista de corações e mentes.

 Sim, especialmente nas democracias em que a lei proíbe a violência, abusos e assédios, estas elites se esmeram em preparar seus filhos com professores particulares para defenderem os interesses de família substituindo as armas por palavras e discursos feitos para conquistar a adesão voluntária de quem ouve.

E todos ganham se também na polícia fardada e ostensiva acontece a gradual substituição da ameaça com armas e talonários de multa pela persuasão com palavras: o cidadão é menos coagido e melhor abordado e o policial-militar é mais valorizado pela sociedade e pela própria administração policial que se aperfeiçoar na arte de motivar e inspirar persuasivamente seus profissionais para o trabalho sem recurso às sanções e punições internas.

Do contrário, se por novos conhecimentos profissionais entende-se apenas conhecimentos técnicos e habilidades práticas que se ensina e se cobra unicamente com o método de premiação e punição – é preciso dizer – a Universidade de Polícia será um aparelho administrativo mais eficaz, mais econômico e mais rápido na meta de capacitar seus profissionais para a oferta de serviços-padrão de segurança pública, no entanto, estes resultados não terão lastro, serão inconstantes, sofrerão crises porque não estarão fundados em bases duradouras.

Sobretudo porque, se a gestão de ensino policial-militar tratar exclusivamente de conhecimentos técnicos e habilidades profissionais, ela confiará – sem confessar ou saber – unicamente nas leis de mercado dizendo para si mesma: ensino bem e mais, gastando menos tempo e dinheiro e se o profissional não aplicar o que aprendeu, eu simplesmente o troco por outro no mercado de trabalho. Esta não é uma relação de confiança, é uma relação de poder.

Devemos evitar este admirável mundo novo em que o progresso técnico, ao invés de servir ao homem, o oprime, o instrumentaliza, o desumaniza e o torna descartável, colocando-o em posição adversa à administração, em atitude defensiva e rancorosa na sua impotência ocasional em abrir mão de seu emprego público. Este é o real motivo da irrupção de crises institucionais cuja culpa é sempre direcionada com habilidade para o administrado, pelo descumprimento de um procedimento padrão, e não para a administração que deveria ser capaz de persuadi-lo a seguir este procedimento em uma relação de confiança.


Naturalmente, auspiciamos em São Paulo uma Universidade de Polícia que será eficaz, econômica e ágil e que também possuirá uma feição humanística e humanizadora, pois, afinal, como ensinava Erasmo de Rotterdam, o príncipe dos humanistas, o homem não nasce homem, ele torna-se homem. 

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Lúcio Nassaro é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo graduado em Filosofia, Mestre e doutorado em Ética e Filosofia Política pela USP depois estudar, como bolsista da CAPES na França 2008-2009.  Em 2012 defendeu sua segunda tese de doutorado, desta vez em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública no Centro de Altos Estudos da PMESP. Atualmente é comandante do 50º BPM/M. Email: lucionassaro@yahoo.com.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Em 1 parágrafo: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Em 1 parágrafo: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


É tempo das pesquisas de novos conhecimentos profissionais de polícia voltarem-se para as humanidades.


O conceito Corporate University será em breve aplicado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP acompanhando a tendência corporativa internacional de adotar boas práticas acadêmicas revolucionando seus velhos setores de treinamento de pessoal através do ensino continuado e ensino à distância focando não apenas a formação de seu efetivo (habilidades profissionais) para uma específica matriz de competências, mas priorizando também a pesquisa de novas soluções para os problemas de Segurança Pública (novos conhecimentos profissionais tais como os conhecimentos reunidos pelas humanidades) que signifiquem um diferencial competitivo para a Instituição e a tornem referência na oferta de serviços de Segurança Pública.

Em 2 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Em 2 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


A substituição da força pela persuasão da palavra – obtida com o estudo das humanidades – é a única garantia contra crises periódicas na Segurança Pública.


Porque longe disto de ser justificável apenas eticamente com um previsível e circular argumento que mostra o valor dos valores humanísticos, o caráter humanístico complementaria o esforço educacional mobilizado pela Gestão Estratégica, comprometida com resultados verificáveis. Pois há motivos técnicos e funcionalidades que podem ser mostrados e que evidenciam a utilidade dos conhecimentos humanísticos (literatura, história, filosofia, línguas, ciências sociais, sociologia, antropologia, psicologia, ética, política, geografia humana, artes etc). Utilidade para que os policiais militares se tornem mais persuasivos em sua ação policial em relação ao cidadão-cliente ao precisarem usar menos a força inerente ao seu poder de polícia e – em momento anterior – para que eles mesmos tenham sido persuadidos para que assim ajam por uma Instituição capaz de inspirar a seus profissionais a oferta de excelentes serviços de segurança sem recurso às sanções administrativas.

Com o objetivo de que a qualidade dos serviços da PMESP não seja exposta a crises periódicas, é necessário não somente o ensino de habilidades profissionais, mas de novos conhecimentos profissionais do tipo humanístico. Este cuidado é imprescindível para que a PMESP torne-se enfim referência nacional e internacional com padrão de serviços excelentes, humanizados e constantes.

Em 4 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Em 4 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Apenas as humanidades podem fornecer os discursos capazes de obter a adesão voluntária – sem ameaças – dos cidadãos à Lei e dos seus integrantes aos procedimentos padrão da Instituição.


A legislação de ensino da PMESP segue se modernizando a passos largos e incorporando número crescente de boas práticas acadêmicas no seu sistema de ensino. Um ambicioso e amplo convênio PMESP-USP permitirá vários e simultâneos níveis de colaboração entre a maior policia militar do Brasil com a mais prestigiada universidade nacional. A consolidada Gestão pela Qualidade recebeu em 2012 progressos conceituais trazidos pela Gestão Estratégica que aponta agora para a iminente fundação da Universidade de Polícia. É neste quadro extraordinário de mudanças que é preciso propor claramente que esta futura Instituição de Ensino, que virá catapultar para novíssima fase todas as escolas policiais-militares, não deixe de possuir, já na sua criação, um perfil humanístico, um perfil que definirá a longo prazo, a face de toda a instituição Polícia Militar.
Do contrário, a nova Universidade de Polícia será apenas um aparelho administrativo mais eficaz, mais econômico e mais rápido na meta de capacitar seus profissionais para a oferta de serviços-padrão de segurança pública, preconizados pela Gestão Estratégica movida por resultados quantificáveis e importantes em vários níveis, mas que, no entanto, não têm lastro, são inconstantes, sofrerão crises porque não são fundados em bases duradouras e plenamente sólidas.
Isto porque apenas a adesão voluntária, e não as habilidades e conhecimentos profissionais, pode engajar cada um dos militares estaduais de maneira leal e constante no cumprimento das missões da Instituição. E para comprometer profundamente o policial militar é imprescindível seu contato com os discursos das ciências humanas, as humanidades e seus conhecimentos humanísticos. Apenas este tipo de conhecimento pode obter do profissional a concordância de sua razão e senso crítico. Pois, note-se que o conhecimento puramente técnico pode ser desvirtuado e usado para fins ilegítimos.
Assim, apenas agregando um caráter humanístico à eficácia, economia e rapidez do ensino profissional com a criação de uma Universidade de Polícia com feições humanística poderemos obter um lastro, uma constância, uma garantia duradoura contra crises para seu padrão de serviços de referência e atingir a meta da Instituição. Como atesta a história da educação no Ocidente, esta garantia advém do fato de que as humanidades, mesmo que poucos saibam, possuem uma eficaz utilidade na conquista de corações e mentes.
  

Em 8 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Em 8 parágrafos: por que uma Universidade de Polícia com feições humanísticas ?


Não são os conhecimentos técnicos que humanizam o homem e estabelecem uma relação de confiança entre a Instituição Polícia Militar e seus integrantes, mas as humanidades.



Começando 2013, temos diante de nossos olhos um quadro em que a gestão estratégica compreende as vantagens operacionais de eficiência e eficácia da criação de uma Universidade de Polícia e pode-se perguntar: Por que esta nascente universidade deveria ter feições humanísticas? Por que é tão importante que a marca, a ideia, o conceito de uma Universidade de Polícia deva nascer já com um aspecto humanístico?  Por que deve esta universidade ser o baluarte da eficiência, mas também da difusão de uma cultura humanística? E por que esta universidade deveria ser o carro chefe de um movimento de humanização do ambiente e do serviço policial-militar que é oferecido ao cidadão? O que é humanização, afinal? Não é o mesmo que valorização profissional?

Antes de tudo é preciso ter consciência que a iminente Universidade de Polícia que venha a catapultar para novíssima fase todas as escolas policiais-militares, deve possuir, já na sua criação, um perfil humanístico, porque este perfil definirá a longo prazo, a face de toda a Instituição policial-militar.

Em segundo lugar porque os novos conhecimentos profissionais de que precisamos englobam os conhecimentos das humanidades que são essencialmente conhecimentos na forma de literatura, de textos de sociologia, antropologia etc e na forma de cinema, teatro, música etc, que ampliam e aprofundam no policial militar a percepção – em si e nos outros – de dramas sociais/políticos e individuais/éticos. Isto porque estes conhecimentos humanísticos não devem ser apenas exigidos na prova de ingresso na Instituição, mas devem ser sempre cultivados e tratados nas fileiras da Instituição. Fundamentalmente porque o homem não nasce homem ele se torna. E são as disciplinas humanas que podem garantir a continuidade do processo de humanização do homem, de seu ambiente de trabalho e do serviço que oferece ao cidadão.

Do contrário, se por novos conhecimentos profissionais entende-se apenas conhecimentos técnicos e habilidades práticas que se ensina e se cobra apenas com o método de premiação e punição, é preciso dizer, a Universidade de Polícia será apenas um aparelho administrativo mais eficaz, mais econômico e mais rápido na meta de capacitar seus profissionais para a oferta de serviços-padrão de segurança pública, preconizados por uma Gestão Estratégica movida apenas por resultados a curto prazo.

No entanto, estes resultados não terão lastro, serão inconstantes, sofrerão crises porque não estarão fundados em bases duradouras. Sobretudo porque, se a gestão estratégica foca apenas conhecimentos técnicos e habilidades profissionais, ela confia – sem confessar ou saber – unicamente nas leis de mercado dizendo para si mesma: ensino bem e mais, gastando menos tempo e dinheiro e se o profissional não aplicar o que aprendeu, eu simplesmente o troco por outro no mercado de trabalho. Esta não é uma relação de confiança, é uma relação de poder.

Devemos evitar este admirável mundo novo em que o progresso técnico, ao invés de servir ao homem, o oprime, o instrumentaliza, o desumaniza e o torna descartável, colocando-o em posição adversa à administração, em atitude defensiva e rancorosa na sua impotência ocasional em abrir mão de seu emprego público que é o real motivo da irrupção de crises institucionais cuja culpa é sempre direcionada com habilidade para o administrado pelo não cumprimento de um procedimento padrão e não para administração que deveria ser capaz de persuadi-lo a seguir este padrão em uma relação de confiança.

Naturalmente, auspiciamos uma Universidade de Polícia que seja eficaz, econômica e ágil, mas que também seja capaz de superar e substituir em um órgão policial a subcultura de violência e a cultura de competição e relações baseadas no poder – ainda comuns, apesar dos progressos, em toda a sociedade brasileira – por relações baseadas na mútua confiança, na convicção da igualdade de todos diante das leis, na vantagem, para cada um de nós, da solidariedade e da prioridade para o bem comum. Pensamentos fortes originários e ensinados pelas humanidades.

Assim, são as disciplinas humanas unicamente que podem agregar à eficácia, economia e rapidez do ensino moderno um lastro, uma constância, uma garantia duradoura contra crises para seu padrão de serviços de referência, isto é, atingir a meta da Instituição.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os humanistas na PMESP devem falar a linguagem dos modernos Gestores Estratégicos






Os humanistas na PMESP devem falar a linguagem dos modernos Gestores Estratégicos [1]


O conceito Corporate University será em breve aplicado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP acompanhando a tendência corporativa internacional de adotar boas práticas acadêmicas revolucionando seus setores de treinamento de pessoal. através do ensino continuado e ensino à distância focando não apenas a formação de seu efetivo (habilidades profissionais) para uma específica matriz de competências, mas também a pesquisa de novas soluções para os problemas de Segurança Pública (novos conhecimentos profissionais) que signifiquem um diferencial competitivo para a Instituição e a tornem referência na oferta de serviços de Segurança Pública. São estes os parâmetros e linguagem que os Gestores Estratégicos esperam de quem defenda uma Universidade de Polícia com feições humanísticas.




No artigo anterior “Por uma Universidade de Polícia com feições humanísticas”, postado neste Blog em 16Set12, fizemos a defesa das humanidades como área de conhecimento com a qual a futura universidade corporativa da PMESP deve estar visceralmente vinculada desde seu nascedouro. E esta defesa, depois de mostrar rapidamente algumas vantagens pontuais desta disciplina, desdobrou argumentos que fazem apelo ao valor das disciplinas humanas na formação do policial militar como ser humano. E aquele artigo insistiu que o conhecimento das humanidades (língua portuguesa, história e literatura voltadas para a percepção crítica em si e nos outros dos dramas sociais/políticos e individuais/éticos) não deve ser apenas exigido na prova de ingresso na Instituição, mas seu ensino deve ser aprofundado continuamente nas fileiras da Instituição, fundamentalmente porque o homem não nasce homem ele se torna.

Tudo muito humano, mas que pode soar como uma cantilena para ouvintes apressados em obter definição sintética de métodos, indicadores, números e resultados para a Segurança Pública. Sobretudo porque – dizem acertadamente – não há nada mais humanitário que proteger com eficácia a vida e a integridade física de 43 milhões de habitantes do Estado de São Paulo!

E têm razão os Gestores Estratégicos da PMESP. O que há em comum entre o trabalho da polícia preventiva e ostensiva composta pelos militares estaduais, absorvidos inteiramente pelas emergências do telefone 190, preocupados com a segurança, rapidez e legalidade de cada providência, empenhados em obter o melhor da tecnologia para seu trabalho arriscado, e as acadêmicas ciências humanas e suas empoeiradas frases greco-latinas?

 No entanto, os fatos se precipitam na área de ensino: Lei Complementar Estadual nº 1036 de 11Jan08, Lei de Ensino da Instituição, sua regulamentação pelo Decreto Estadual nº 54.911 de 14Out09 e edição da D-5-PM – Diretriz Geral de Ensino em 22Abr10, que determina a redação dos Regimentos Internos dos recém-promovidos órgãos de ensino superior da PMESP, criação em 22Ago12 pelo Bol G PM 159  do Grupo de Trabalho para o desenho de uma Fundação de Apoio ao Ensino e Cultura etc.

No alto da pirâmide do Ensino PM está o Centro de Altos Estudos de Segurança – CAES "Cel PM Nelson Freire Terra" que passa a oferecer o curso de Mestrado e Doutorado em Ciências Policias de Segurança reconhecidos pelo Estado de São Paulo, e já se organiza para obter a médio prazo a recomendação do seu programa de pós-graduação strictu sensu pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, o órgão federal responsável pela avaliação da pós-graduação no Brasil.

Estes avanços na legislação de ensino somados às múltiplas iniciativas individuais de Oficiais com experiência acadêmica e à adoção da doutrina da Gestão pela Qualidade desde 1997 são responsáveis pela crescente incorporação na área de ensino da PMESP de boas práticas do meio universitário. Agora a nova doutrina da Gestão Estratégica, em busca de maior eficácia para a área de ensino e com foco em resultados quantificáveis, quer acelerar a adoção destas práticas acadêmicas e cogita a iminente fundação da Universidade de Polícia.

Então, em 2012, temos diante de nossos olhos, um quadro em que a gestão estratégica compreende as vantagens operacionais de eficiência e eficácia da criação de uma Universidade de Polícia e torna-se urgente a necessidade de explicar para os Gestores Estratégicos: Por que esta nascente universidade deveria ter feições humanísticas? Por que é tão importante que a marca, a ideia, o conceito de uma Universidade de Polícia deva nascer já com um aspecto humanístico?  Por que deve esta ser o baluarte da eficiência, mas também da difusão de uma cultura de Direitos Humanos? E por que esta universidade deveria ser o carro chefe de um movimento de humanização do serviço policial-militar? O que é humanização, afinal? Não é o mesmo que valorização profissional?

É preciso que os humanistas da PMESP expliquem todas estas questões para gestores estratégicos que entendem da área da administração moderna, são pessoas profundamente éticas, querem os resultados bons para todos, mas não são da área das humanidades e talvez vejam nestas disciplinas uma perfumaria, algo que não afeta o real. Assim, é urgente criar uma ponte entre estas duas áreas de conhecimento. Isto quer dizer, resumidamente, que estamos diante de um impasse comunicativo.

Acontece que é preciso lembrar e assumir que a responsabilidade pela comunicação é do comunicador que toma a iniciativa de comunicar e que não é razoável culpar o ouvinte pela não compreensão da mensagem se o interesse em ser compreendido é de quem comunica. Assim se os humanistas têm o interesse em colaborar com suas ideias sendo bem compreendidos, então são os humanistas que devem ser capazes de se fazerem entender.

Bem, abrindo sua caixa de ferramentas, os humanistas precisam propor antes de tudo que esta nova Instituição de Ensino – a Universidade de Polícia – que venha a catapultar para novíssima fase todas as escolas policiais-militares, deve possuir, já na sua criação, um perfil humanístico, porque este perfil definirá a longo prazo, a face de toda a Instituição polícial-militar.

Do contrário, é preciso dizer, a Universidade de Polícia será apenas um aparelho administrativo mais eficaz, mais econômico e mais rápido na meta de capacitar seus profissionais para a oferta de serviços-padrão de segurança pública, preconizados pela Gestão Estratégica movida por resultados a curto prazo, e que, no entanto, não terão lastro, serão inconstantes, sofrerão crises porque não estarão fundados em bases duradouras. Sobretudo porque esta gestão por resultados mensuráveis confia – sem confessar ou saber – unicamente nas leis de mercado dizendo para si mesma: ensino bem e mais, gastando menos tempo e dinheiro e se o profissional não aplicar o que aprendeu, eu simplesmente o troco por outro no mercado de trabalho. Esta não é uma relação de confiança, é uma relação de poder.

Devemos evitar este admirável mundo novo em que o progresso técnico, ao invés de servir ao homem, o oprime, o instrumentaliza e o torna descartável, colocando-o em posição adversa à administração, em atitude defensiva e rancorosa na sua impotência ocasional em abrir mão de seu emprego público que é o real motivo da irrupção de crises institucionais cuja culpa é sempre direcionada com habilidade para o administrado pelo não cumprimento de um procedimento padrão e não para administração que deveria ser capaz de persuadí-lo a seguir este padrão em uma relação de confiança.

Naturalmente, auspiciamos uma Universidade de Polícia que seja eficaz, econômica e ágil, mas que também seja capaz de superar e substituir em um órgão policial a subcultura de violência e a cultura de competição e relações baseadas no poder – ainda comuns, apesar dos progressos, em toda a sociedade brasileira – por relações baseadas na convicção na igualdade de todos diante das leis, na vantagem, para cada um de nós, da solidariedade e da prioridade para o bem comum.

Para tão importantes objetivos práticos cabe à vanguarda humanista, entre as fileiras dos militares estaduais de São Paulo, abrir mão de seus discursos puramente éticos que, de argumento em argumento, se elevam aos altíssimos e sublimes – mas incompreensíveis – pícaros nevados do valor ético que deve ser buscado, enfim, por ser valor ético.

Este argumento platônico, sempre focado em um ideal de humanidade realizável em cada um de nós, e apresentado como a melhor retribuição pessoal e assim a melhor garantia para o comportamento ético individual,  é demais abstrato, ofuscante e frustrante em tempos de gestão por resultados e seu credo: só administra quem dispõe de indicadores mensuráveis.

Cabe a esta vanguarda então não ser inocente, respeitar os tempos que urgem por conhecer e controlar os meios que produzem resultados visíveis, e encontrar os pensamentos e palavras satisfatórias para explicar, claramente e em detalhes, para os homens e mulheres policiais-militares, extremamente pragmáticos e acostumados a atenderem pessoas em perigo, o que significa agregar um caráter humanístico à eficácia, economia e rapidez do ensino profissional e, enfim, o que é mais difícil, explicar tecnicamente para administradores como (isto é, com que meios) as humanidades podem agregar à eficácia, economia e rapidez do ensino moderno um lastro, uma constância, uma garantia duradoura contra crises para seu padrão de serviços de referência (isto é, atingir a meta da Instituição).

Desde que a maioria dos discursos humanísticos caem neste fácil circulo vicioso, nesta tautologia, de mostrar o valor dos valores humanísticos, o desafio que se apresenta para aqueles que defendem a fundação de uma Universidade de Polícia com feições humanísticas é, portanto, de indicar para a administração contemporânea a funcionalidade das humanidades, ou seja, a sua utilidade. Ou ainda, para que serve.

Isto retomaremos em um próximo artigo.




Obrigado pela leitura. Se reproduzir total ou parcialmente este texto, peço apenas que cite a fonte.





[1]  O autor é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP (2010) depois de ter estudado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na França 2008/2009.. Atualmente é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br. 

domingo, 16 de setembro de 2012

Por uma Universidade de Polícia com feições humanísticas


Por uma Universidade de Polícia com feições  humanísticas[1]
                           
A adoção do conceito Corporate University pela Polícia Militar do Estado de São Paulo – PMESP é iminente. No entanto, a Universidade de Polícia não deve almejar ser apenas uma fábrica melhorada de policiais tecnicamente perfeitos: ela pode e deve possuir uma feição humanística para que a Instituição continue a humanizar suas relações internas e os serviços que oferece. Com sua Universidade, a PMESP terá em breve a oportunidade de trazer para seus alunos mais conteúdos das humanidades – e continuamente –  pois, afinal, o homem não nasce homem, ele se torna homem. 

O que há em comum entre o trabalho da polícia preventiva e ostensiva composta pelos militares estaduais, absorvidos inteiramente pelas emergências do telefone 190, preocupados com a segurança, rapidez e legalidade de cada providência, empenhados em obter o melhor da tecnologia para seu trabalho arriscado, e as acadêmicas ciências humanas e suas empoeiradas frases latinas?
Para quem está surpreso, lembramos que esta pergunta se impõe em um acelerado quadro de mudanças na área de ensino da Instituição: Lei Complementar Estadual nº 1036 de 11Jan08, Lei de Ensino da Instituição, sua regulamentação pelo Decreto Estadual nº 54.911 de 14Out09 e edição da D-5-PM – Diretriz Geral de Ensino em 22Abr10, que determina a redação dos Regimentos Internos dos recém-promovidos órgãos de ensino superior da Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP.
No epicentro destas mudanças está o Centro de Altos Estudos de Segurança – CAES "Cel PM Nelson Freire Terra" que passa a oferecer o curso de Mestrado e Doutorado em Ciências Policias de Segurança com vocação – adiável, mas incontornável – para buscar, depois do já conquistado reconhecimento de seus cursos superiores e de pós-graduação pelo Estado de São Paulo, sua consagradora recomendação pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, o órgão federal responsável pela avaliação da pós-graduação no Brasil e pela promoção da cooperação científica internacional.
Trata-se de uma movimentação sem precedentes nos 180 anos da polícia fardada de São Paulo, desde a vinda das duas Missões Estrangeiras da França para profissionalizar a Força Pública. No entanto, nas últimas décadas a situação do ensino militar espelhava, de resto, a realidade de toda a sociedade brasileira: ano após ano, este ensino permanecia preso ao modelo tradicional restrito à transmissão de conhecimentos estabelecidos. Como estes conhecimentos eram pouco alterados, à exceção de algumas disciplinas propriamente policiais introduzidas nos anos 80, sua transmissão aproximava-se perigosamente de uma repetição burocrática quebrada apenas pela disputa entre alunos pelas melhores notas como em um jogo em que o conteúdo importa menos.
Este modelo fora consagrado em 02Jul69 pelo Decreto-Lei Federal 667 que organizou as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados como órgãos militares auxiliares e controlados pelas Forças Armadas e os estruturou em órgãos de Direção, Execução e Apoio. Estrutura que foi preenchida pelo Decreto Estadual 7.290 de 15Dez75 que estabeleceu que a Academia de Policia Militar (APM), a Escola de Educação Física (EEF), O Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) e suas unidades subordinadas, a Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Graduados (EsFAG), Escola de Especialização de Praças (EsEP) e Núcleos de Formação de Soldados (NFSd), eram todos órgãos de Apoio de Ensino.
Ao designar os órgãos de ensino como órgãos de apoio segregando-os dos órgãos de direção e dos órgãos de execução, este decreto repetia e reforçava uma noção arquetípica do ensino como preparação para a vida (então o estudo é anterior ou está fora da vida real), como transmissão de conhecimento acumulado pelas gerações anteriores (então o conhecimento tradicional é suficiente), estudo e exercícios de alunos supervisionados por professores em uma relação vertical (então o ensino e aprendizado é fundado na autoridade pessoal ou na superioridade hierárquica do professor) e ignorava completamente a possibilidade de um órgão militar pesquisar e desenvolver horizontalmente conhecimentos com rigor científico e acadêmico na área de segurança pública. 
Esta maneira antiga de pensar o ensino é bem traduzida nos quartéis pelo sentido literal e plástico do conceito de formação: recebe-se um candidato aprovado em concurso e este sai das escolas militares formado, ou seja, moldado, e pronto para o serviço (então aparência importa mais que a essência). Aqui também está implícita a imagem bélica ou industrial de uma linha de produção que joga sempre novos recrutas da retaguarda para a linha de frente, a real vanguarda onde as coisas acontecem, onde os problemas são resolvidos.
Mas desde as primeiras discussões em 2007, na então Diretoria de Ensino, sobre o que veio a ser a Lei de Ensino, a Polícia Militar toma iniciativas que têm sido acolhidas integralmente pelo Executivo e pelo Legislativo paulista que enfim misturam o ensino à pesquisa e esta diretamente ao teste das ruas (então órgãos de ensino e execução estão todos na vanguarda e ensinar, aprender e pesquisar é estar na linha de frente. Um Aluno-Soldado ou Aluno-Oficial podem escrever um Trabalho de Conclusão de Curso – TCC inovador), que horizontaliza a relação professor-aluno colocando foco na produção de soluções de segurança pública (então a autoridade é do melhor argumento, não da pessoa) e que transformam a Instituição, que era objeto de pesquisa de terceiros, em órgão protagonista que produz pesquisas sobre si mesmo e sobre os problemas de manutenção da ordem e segurança pública brasileira incorporando crescentemente boas práticas acadêmicas e coloca na ordem do dia sua responsabilidade em fazer avançar com urgência os conhecimentos que nomeia agora como Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.
Ocorre que as leis e normas de ensino são recentes demais para que seus efeitos sejam sentidos. Diríamos mesmo que é moderna demais para ser completamente compreendida pela maioria formada nos moldes antigos, e ainda causa enorme estranheza entre nossas fileiras o estudo das ciências humanas, as humanidades (apesar da Lei de Ensino tratar de “conhecimentos humanísticos” e prever “pesquisas humanísticas”), que têm a fama de ser pura elucubração de idéias sem interesse para a instituição policial.
No entanto, a despeito dos textos das humanidades estarem aparentemente distantes da realidade operacional do policiamento, é preciso ter olhos para o fato de que as decisões que moldam esta realidade prática são idéias assumidas como verdades, conscientes ou não, ou resultantes de discussões conceituais, igualmente fundadas em ideias.  
A PMESP tem forte tradição de estudos jurídicos – denunciados hoje como resultado de uma cultura bacharelista – que começam a ceder espaço para um articulado pensamento administrativo de Gestão Estratégica visando resultados suportados por alta tecnologia de informação. Mas a este sopro renovador, estudiosos das humanidades – que não exercem poder algum de bacharel, afinal não dirigem escritórios de interesses e apenas lecionam – poderiam agregar aprofundamento teórico fazendo as questões técnicas de segurança pública se enraizarem em arcabouço conceitual concebido por autores de maior e mais antiga autoridade, nomes conhecidos e respeitados pela sociedade, imprensa e meio intelectual; os estudos das humanidades atualizariam conceitualmente textos fundamentais da comunicação interna e com a sociedade; sincronizariam os termos e parâmetros de importantes debates no meio policial-militar com os mesmos termos e parâmetros do meio acadêmico; revitalizariam com novos materiais conhecidas questões éticas e dariam visibilidade a outras menos discutidas; modernizariam e refinariam a linguagem com que se trata de problemas humanos que estão por toda parte em um órgão policial que presta serviços essenciais a seres humanos empregando basicamente recursos humanos.
Mas, sobretudo, os conteúdos oferecidos pelas humanidades tornam mais preciso e penetrante o pensamento sobre nossas condições humanas de trabalho policial e da nossa relação com o atual cidadão-cliente e assim poderiam colaborar extraordinariamente para a valorização do policial militar e sua profissão. Isto porque, resumidamente, as humanidades são o manancial dos argumentos e discursos mais fortes e persuasivos da tradição de debates sobre assuntos e problemas humanos.
Os atuais concursos terceirizados para ingresso na PMESP já não exigem conhecimentos de física, química e outros semelhantes e valorizam a filosofia, história, sociologia e outras disciplinas das humanidades, então é o momento de despertar para os novos tempos que se configuram para vencer entre nós o preconceito contra as ciências humanas como área que não interessam ao trabalho policial, pois isto é um velho engano: os grandes investimentos em armas, viaturas, comunicação e processamento de informações têm um limite na sua capacidade de melhorar a qualidade do serviço policial.
Até mesmo a mais eficiente formação e treinamento profissional não garante que a técnica adquirida seja usada em prol da sociedade. Alguém duvida que um método de tiro, de defesa pessoal ou mesmo um Procedimento Operacional Padrão – POP possa ser usado contra os próprios policiais? Que recursos tecnológicos possam ser desvirtuados dos seus fins? Esta séria consideração dá relevo à urgente necessidade de que nossas escolas policiais ofereçam então, além das matérias profissionais, uma formação humanística.
Não basta que a PMESP como empregadora inclua no mercado de trabalho um candidato aprovado; ofereça-lhe um papel na sociedade; um know-how para a solução de problemas técnico-operacionais; integre-o a uma rede de proteção social; envolva-o com direitos e deveres de um segundo aparato jurídico, a justiça militar, mas não faça esforços para incluí-lo, integrá-lo, torná-lo mais partícipe da humanidade. É preciso lembrar que o homem não nasce pronto como os animais, o homem torna-se homem e não basta para a PMESP a formação humanística trazida de casa e da escola e reforçada pela religião; este aprendizado nas humanidades deve ser contínuo e então deve continuar dentro da PMESP.
Não são suficientes equipamentos, conhecimentos técnicos e controles punitivos: é o esforço contínuo do ensino (então entendido como educação) que permitirá que o policial militar veja melhor a si mesmo e aos outros como seres humanos e que poderá garantir mais que este atue com humanidade.


Obrigado pela leitura. Se reproduzir total ou parcialmente este texto, peço apenas que cite a fonte.



[1] O autor é Tenente-Coronel da Policia Militar do Estado de São Paulo, bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB), Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “Cel PM Nelson Freire Terra” (CAES), graduado em Filosofia, Mestre e Doutor em Ética e Filosofia Política pela USP (2010) depois de ter estudado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na França 2008/2009.. Atualmente é doutorando em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo CAES e comandante do 17ª BPM/M. Email: lucion@policiamilitar.sp.gov.br.